Atenção engenheiros e arquitetos: vamos falar sobre limpeza?

LUSTRES SOFISTICADOS, PÉS DIREITOS ALTÍSSIMOS, grande quantidade de acabamentos em vidro, materiais porosos, revestimentos 3D ou mesmo edifícios em formatos pouco convencionais. Toda uma estética para agregar imponência às novas edificações, valorizar o imóvel e mostrar a competência e inventividade de engenheiros e arquitetos. Mas será que, em algum momento, houve a preocupação em entender como se dará a manutenção destes materiais quando a construção for entregue? O fato é que se tornou cada vez mais comum encontrar novos edifícios com alto grau de complexidade quando se trata de fazer a manutenção e a limpeza.

Há um consenso entre os gestores de facilities de que estes itens não são de adequadamente previstos nos projetos. “O que se pode constatar é que, em geral, a construtora, por questões de segurança própria, em seu termo de garantia e entrega dos imóveis, prevê a condição de manutenção de alguns itens, mas de forma precária e sem os detalhes técnicos e normativos necessários”, argumenta Ednei Garcia Botelho, arquiteto e facilities da Fecomércio.

A diretora de Facilities da Abralimp, Clara Barreiros, reitera que “nem sempre o belo é o aconselhável”. Materiais muito claros em área de tráfego pesado, mobiliário delicado para um setor onde a rotatividade é significante ou materiais temporais não são recomendados. A arquiteta Terezinha Santos complementa: “Áreas técnicas, fachadas, janelas, revestimentos, vidraçaria em geral, principalmente em coberturas, além da forma do edifício, também podem dificultar a limpeza e manutenção.”

Além disso, há a questão da conservação, como aponta o presidente da Câmara de Químicos da Abralimp, Miguel Sinkunas. “A escolha de materiais para piso ou paredes inade- quados ao local algumas vezes são agradáveis esteticamente, porém podem não satisfazer as necessidades funcionais. Um fator importante a considerar sobre a manutenção e limpeza é sua durabilidade ao desgaste, cor, rugosidade superficial e porosidade, que se refletirá, por exemplo, na capacidade de absorção de líquidos. Antes do fator estético deve se verificar a aplicabilidade, já que o desgaste e o encardimento, consequências da má escolha, eliminarão o fator estético almejado”.

PÉ DIREITO ALTO DEMAIS: O VILÃO DOS FACILITIES

Solução arquitetônica usada nas décadas de 1950 e 1960, e que voltou com tudo na hora de dar imponência aos ambientes, o pé direito alto é um grande complicador para a manutenção e a limpeza. Além da necessidade de equipamentos especiais, como plataformas elevatórias, há a obrigatoriedade de funcionários com a certificação NR-35 (trabalho em altura) atualizada. Ednei Botelho, da Fecomércio, reforça que, por sua complexidade, deveria ser avaliada dentro da concepção da edificação a facilidade de acesso e condições de higienização e limpeza. “Quando a construtora se atém a este detalhe, prevê, entre outros, pontos de ancoragem no nível superior para a utilização de balancins ou rapel”.

Além disso, para as empresas prestadoras de serviços, a segurança da mão de obra utilizada na limpeza de edifícios de alta complexidade representa uma preocupação a mais. “A despeito das empresas obedecerem às regulamentações de segurança exigidas na legislação, o aspecto de segurança na manutenção deveria estar no radar de arquitetos, engenheiros e construtores”, afirma o presidente da Abralimp (gestão 2016/2017), Sandro Haim.

QUANTO MAIS COMPLEXO, MAIS CARO PARA MANTER

Naturalmente que edificações mais complexas pedem mais investimentos na hora de fazer a manutenção e limpeza. Excesso de acabamentos em vidro, por exemplo, demandam mais tempo para limpar. Já em relação ao piso, como ressalta Miguel Sinkunas, da Câmara de Químicos da Abralimp, “encontramos situações nas quais a velocidade de encardimento é tão grande que exige operações ininterruptas de limpeza, ou seja, um operador de limpeza presente, agindo todo o tempo”.

Além disso, materiais especiais pedem métodos, produtos e conhecimentos específicos. “Uma escada feita em madeira natural não pode ser limpa com detergente forte ou com desengraxante, mas com sabão à base de óleos de coco e/ ou palmiste, com grau de 80% de gordura”, explica o diretor de Certificação da Abralimp, Vitus Flemming. “Esse sabão é bem mais caro, porém o cliente raramente pagaria pelo uso deste produto, a não ser orientado pelo próprio fabricante da escada. Por isso, ajudaria muito ter instruções do fabricante ou arquiteto de como limpar itens especiais”.

É com este intuito que a Abralimp propõe maior integração entre construtores e facilities. “A entidade, como espaço de conhecimento para todos os que atuam direta ou indiretamente na área, se propõe a unir as partes interessadas na ampliação do conhecimento sobre o tema e melhor entendimento de conceitos de limpeza e manutenção de edifícios, salienta Haim.

MAIS INFORMAÇÃO AOS ARQUITETOS E ENGENHEIROS

Os arquitetos e engenheiros podem contribuir imensamente com o setor, por meio de constante atualização de conhecimentos, tecnologias, lançamento de novos produtos, equipamentos e metodologia empregada em manutenção e limpeza, como afirma o presidente do Grupas (Grupo de Gestores de Facilities), Severiano Santos. “Todos os profissionais envolvidos em uma construção precisam ter seus conhecimentos reciclados, para proporcionar e garantir a qualidade no serviço prestado, segurança na sua execução, redução de custos para o investidor e utilização crescente de produtos alinhados com a defesa do meio ambiente”.

A arquiteta Terezinha Santos lamenta que esse tema não seja tratado nas faculdades, que seriam os locais mais adequados para se ter acesso a essas orientações. “Salvo algum professor de projeto que tenha a expertise em manutenção predial, os profissionais dessas áreas só vão se deparar com essas questões durante o gerenciamento do edifício. Uma ideia seria fazer workshops para estudantes sobre o assunto nas universidades, ou mesmo para profissionais que atuam com projetos de edificação, por meio de estudos de caso e exemplos de situações que demonstram as falhas de projetos ao não se prever a manutenção”, sugere.

NOS BASTIDORES DA LIMPEZA

Escolher soluções que unam beleza e praticidade é o primeiro passo rumo a projetos mais inteligentes, mas a troca de experiências entre construtores e facilities não deve parar por aí, como ressalta Vitus Flemming.

“Hoje, o gestor, que está 100% responsável pelo funcionamento do prédio e conservação desse patrimônio, acaba relegado a um espaço de poucos metros quadrados, num quarto de tubulação, em geral no subsolo, onde muitas vezes sequer há sinal de telefonia móvel. É preciso prever um espaço adequado para este gestor desempenhar suas funções. Outra questão é que nos halls e andares dificilmente há uma área para guardar material e pequenos equipamentos de limpeza, obrigando o prestador de serviço a gastar mais tempo (e portanto, custo) em deslocamento. Por fim, é preciso prever acesso à água e opções de voltagem nas tomadas para que um trabalho simples não se torne complexo – como precisar buscar água em locais distantes ou não poder utilizar um equipamento por falta de tomadas corretas. Estas questões básicas demonstram nitidamente a urgência do entendimento das necessidades da gestão de um prédio após a construção”, finaliza.