Catadora Anne Caroline usa redes sociais para reciclar pensamentos

Conheça um pouco da história de Anne Catadora e seu relato sobre as dificuldades do ofício dos catadores de materiais recicláveis                      

Entender o sentido do próprio trabalho, defender para uma sociedade a importância daquilo que, para muitos, ainda parece ser algo sem valor, pregar o respeito e conscientizar.

Para quem buscou uma profissão diferente dos pais professores, a missão de educar cruzou o caminho de Anne Caroline Barbosa.

Nas redes sociais ela é Anne Catadora, e usa bem o espaço para mostrar a relevância da atividade dos catadores de materiais recicláveis.

Se hoje é conhecida por muitos, já fez parte do anonimato no qual estão outras milhares de pessoas que vivem em situação de rua.

Anne chegou à cidade de São Paulo em 2017. Veio de Corumbá, Mato Grosso do Sul. Lá vivia com os pais e tinha a profissão de designer gráfico, porém, não conseguia enxergar outras possibilidades para sua vida e não se sentia em casa.

Bem diferente dos planos

Entretanto, em São Paulo, os seus objetivos se depararam com um mercado de trabalho saturado e ela acabou morando em um albergue.

“Nesse momento, passei a ter contato com um primeiro preconceito: o mercado de trabalho não emprega pessoas em situação de vulnerabilidade.”

No abrigo fez algumas amizades, conheceu o marido, Lucas, e teve contato com seu primeiro vício: a cocaína.

“Meu marido chegou ao mesmo complexo que eu estava. Uma semana depois nos encontramos em um aparelho da prefeitura que oferecia serviços para pessoas em situação de vulnerabilidade. A partir de então, não nos separamos mais”, conta.

Lucas era usuário de crack e tinha conhecimento do ofício de catador para reciclar.

Da sobrevivência à observação

Anne relata que no começo a atividade era para sustentar o vício, mas com a realização do trabalho começou a pensar nas questões de preservação do ambiente e nas dificuldades impostas no dia a dia pelo desempenho da função.

Nessa época, morava pelos lados do Canindé e Brás, onde também muitos idosos viviam do ofício de ser catador.

“Tinham de lidar com o preconceito e o desprezo da sociedade.”

Uma virada veio quando Anne engravidou.

“Descobri em outubro de 2017. Parei com as drogas e bebidas. Pouco tempo depois meu marido também conseguiu parar. Com a ajuda da família dele, saímos das ruas e fomos morar em Osasco, mas fazer a reciclagem lá na região não era a mesma coisa.”

No final de 2019, o casal decidiu voltar para a região do Brás e conseguiu um lugar na Favela Zaki Narchi, no bairro do Carandiru.

Eles começaram a vida por lá bem no início da pandemia e Anne recorda que a dificuldade foi desesperadora.

Não somos invisíveis

Anne: “Nosso serviço é eficiente e entra em todos os lugares, mas, infelizmente, trabalhamos na precariedade”.

Em meio a todo o caos do momento, ela sentiu a necessidade de mostrar para as pessoas tudo o que os catadores passavam. Pegou o celular e começou a compartilhar nas redes a realidade.

No início, se por um lado seu conhecimento com base na atividade de catadora podia ser difícil de ser aceito pelas pessoas, por outro, via uma infinidade de falas sobre sustentabilidade ocuparem espaços nas redes sem qualquer conhecimento real de causa.

Porém, seu trabalho foi tomando um lugar de destaque ao tentar expor para uma sociedade carregada de preconceitos e carente de educação ambiental como era o dia a dia dos catadores e o que significa esse trabalho para a vida da população.

“Quando as pessoas perceberam que aquilo que eu falava tinha fundamento, meu trabalho começou a ganhar forma e chamar a atenção, até de empresas e importantes marcas.”

Pelas redes sociais, Anne fala da reutilização, reciclagem e dá dicas de como descartar os materiais recicláveis.

Direciona alertas não só das condições precárias em que a atividade é realizada, como também sobre a discriminação e o assédio, principalmente com as mulheres que trabalham como catadoras.

Não falta coragem

Anne diz ter sido sempre comunicativa. Ainda em Corumbá, tinha vontade de cursar faculdade e se tornar uma jornalista.

E em meio a toda a confusão da pandemia e com todas as dificuldades, tomou a decisão de voltar a estudar.

“Era um momento difícil para sobreviver, ainda mais pagar uma faculdade. Tentei ir aos trancos e barrancos. Comecei e adorei”, lembra.

Hoje com 30 anos, Anne vive com o marido e dois filhos: a Melissa, que está com cinco anos, e o Matteo, de sete meses. Cursa a faculdade e ambos desempenham a função de catadores de forma autônoma. Do saco e carroça, agora têm um carro com a parte traseira tipo uma caçamba para recolher os recicláveis.

Sua luta está no trabalho do dia a dia para garantir o sustento da família e mostrar o quanto a atividade é essencial para o ambiente e para a economia.

“Existem números que comprovam que fazemos mais que o dobro que governos. Nosso serviço é eficiente e entra em todos os lugares, mas, infelizmente, trabalhamos na precariedade. A sociedade não entende a imensidão da atividade e para o poder público somos uma classe invisível.”

Para Anne é fundamental ter meios para legalizar a profissão e incluí-la nos planos de coleta seletiva.

Basta um gesto

Quanto ao seu papel social, ela não se limita a ensinar ações que possam ser sustentáveis, mas apontar o quanto sofrem os catadores para desempenhar seu trabalho.

Pequenos gestos vindos de toda a sociedade podem contribuir para facilitar o trabalho dos catadores: fazer a separação dos orgânicos e recicláveis, dispensar os materiais para reciclagem de modo higienizado e ter cuidado ao descartar resíduos cortantes.

“E não adianta colocar um papel escrito vidro quebrado, pois muitos não sabem ler”, adverte ao dar a dica de usar garrafas pets para embalar materiais cortantes e, assim, deixar visível para o catador.

Pequenas gentilezas também são bem-vindas, diz Anne: uma garrafa de água gelada, uma roupa que possa servir e, principalmente, um tênis que possa ser doado.

“A maioria não tem acesso a um tênis, e são longas caminhadas. O calçado é uma ferramenta básica para quem se movimenta.”

Anne é um dos exemplos de superação e que mesmo em meio a todas as dificuldades mantém a empatia e a capacidade de buscar novos caminhos.

A Associação Brasileira do Mercado de Limpeza Profissional (Abralimp) reconhece a importância da reciclagem para a sociedade.

Assim, valoriza e respeita o trabalho dos catadores que, invisíveis pelas ruas, tiram dos materiais descartados seu sustento e contribuem para reduzir os resíduos que chegam aos aterros sanitários, direcionando-os para a reciclagem.

Histórias como a de Anne e de muitas outras pessoas que, como formiguinhas, desempenham seu trabalho com responsabilidade e dedicação, são fonte de inspiração para todos os que estão no mercado da limpeza profissional.

A revista Higiplus quer ouvir a sua história: comunicacao@abralimp.org.br.

Fonte: Abralimp

Fotos: Giovanna Lima