Setor hoteleiro X pandemia

Como os estabelecimentos vêm enfrentando os desafios para atender a demanda no período de férias

De acordo com dados divulgados em novembro de 2020 pela CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo), apesar das atividades do Turismo terem crescido pelo sexto mês consecutivo, o setor ainda se encontra 30% abaixo do nível pré-pandemia.

Ao longo de 2020 o setor hoteleiro foi sentindo o impacto das medidas restritivas impostas pela Covid-19, com forte queda no ritmo dos negócios. O ano entra para a história com a marca da pior crise enfrentada pela hotelaria. Para especialistas, a recuperação prevista para o segmento tem prazo mínimo estimado de quatro anos.

Niuara Helena Leal Tedesco, diretora geral do hotel Toca da Praia, localizado em Maresias, litoral de São Paulo, lembra não esquece o período: “com certeza o momento mais difícil foi fechar definitivamente durante a pandemia. Em 17 anos nunca tínhamos fechado as portas por nenhum motivo. Entrar num local que é sempre tão cheio de vida, de carinho e amor e vê-lo totalmente vazio e fechado foi, com certeza, muito difícil. Não sabíamos o quanto aquilo ia durar. Então o medo de deixar todas as famílias que dependem de nós na mão nos deixou extremamente preocupados”, revela.

Foi preciso renegociar com fornecedores, rever as locações de aparelhos e uma redução geral de custos. “Priorizamos manter toda a equipe para ter um serviço de excelência. E conseguimos com suspensão e redução de jornada sem precisar fazer nenhum corte de pessoal. Infelizmente todo o nosso fundo de reservas para emergências foi consumido neste período”, lamenta.

“Sem dúvidas ter uma gestão financeira conservadora, com menores riscos e um fundo de emergência – necessário a um empreendedor – foi importante pois nunca havíamos passado por nada similar. Se não fossem os anos anteriores – quando destinamos parte dos recebíveis a um fundo para emergências possivelmente teríamos perdido boa parte da nossa equipe e talvez até o negócio”.

Mas, a despeito de toda dificuldade, alguns sinais positivos já estão sendo sentidos. Segundo a ABIH (Associação Brasileira Indústria de Hotéis) a ocupação média dos meios de hospedagem em São Paulo durante a fase amarela do plano de distanciamento social fica entre 50 e 60% nas estâncias turísticas do Estado (litoral e interior).

Em contrapartida, na fase verde a expectativa havia aumentado para entre 60 e 70%, com um diferencial: interior um pouco melhor que litoral devido a não aglomeração. Com isso, ainda de acordo com a entidade, a retomada já está acontecendo no turismo doméstico.

Ainda de acordo com o levantamento feito pela ABIH a taxa média de ocupação no Natal foi de 30% nas estâncias turísticas. No réveillon esse número saltou para cerca de 60%. Tal fato tem respaldo na adoção de protocolos de biossegurança que tornam os hotéis mais seguros.

No caso do Estado de São Paulo, por exemplo, a hotelaria segue protocolos do Plano São Paulo, além das determinações dos decretos municipais – e vale ressaltar que desde o início da pandemia o governo estadual reconhece os hotéis como serviços essenciais.

Protocolos

Niuara Helena Leal Tedesco, diretora geral do hotel Toca da Praia.

Niuara, do Hotel Toca da Praia, diz que o estabelecimento segue as diretrizes do Turismo Responsável. “Estivemos presentes na elaboração dos protocolos do Plano SP que foram o ponto de partida do selo, então estávamos familiarizados com os protocolos.”

A executiva lembra ainda que várias medidas foram tomadas neste sentido: treinamento e conscientização de toda a equipe; troca de todo material de limpeza para uma concentração maior que a usual; utilização completa de EPI´s para higienização de suítes e troca de enxoval; limpeza das áreas comuns a cada uma hora; distanciamento entre móveis da área de convivência e lazer. “Além disso, fizemos toda a readequação da área de alimentação com ilhas fechadas, uso de luvas e máscaras”, lista.

José Fernandes, diretor da Rede dos Sonhos de hotéis fazenda com quatro estabelecimentos localizados no circuito das Águas Paulistas – cidade de Socorro (SP) – conta que foi preciso intensificar o treinamento das equipes de camareiras e de limpeza para realizar os procedimentos de limpeza e desinfecção de apartamentos e áreas comuns. “Passamos a utilizar uma planilha nos banheiros das áreas comuns com o registro das limpezas efetuadas para que os hóspedes se sintam mais seguros ao utilizar os espaços”.

Para o diretor, apesar do impacto causado durante paralisação total entre os meses de abril e junho, a retomada das atividades em julho de 2020 exigiu ainda mais rigor com os protocolos de higiene para garantir o retorno dos hóspedes.

“Como trabalhamos com turismo de aventura precisamos utilizar produtos adequados para desinfecção e repensar a questão das superfícies, alterando, inclusive a forma como os hóspedes usam equipamentos como a tirolesa e arvorismo para reduzir o contato”, diz.

O executivo salienta que a experiência adquirida com turismo acessível acabou auxiliando dentro do contexto da pandemia. “A plataforma de cavalgada, por exemplo, utilizada para que cadeirantes possam subir no cavalo foi bastante útil para que demais usuários possam vivenciar a experiência sem a intervenção de um monitor justamente para evitar o contágio”, relata. “Nossa experiência foi sendo adaptada para aplicação em situação de pandemia”, acrescenta.

Atenta à movimentação dos hóspedes, Niuara identificou uma maior procura no final do ano. “Porém ainda menor que nos anos anteriores”. Segundo ela, a média anterior de ocupação para o final do ano era de 80 a 90%. “Registramos 56% e, como trabalhamos com grande sazonalidade dependemos desse momento para nos manter ao longo do ano”.

Mudança de comportamento

José Fernandes, diretor da Rede dos Sonhos.

No entanto, a diretora pondera que, como os clientes têm buscado locais próximos à natureza, que proporcionem tranquilidade e descanso, o foco tem sido hóspedes de perfis bem definidos: “pequenas famílias ou casais, já que grandes grupos e pessoas que não residem no mesmo local praticamente reduziram a zero nas reservas”.

Ainda segundo a executiva, apesar das pessoas buscarem ar puro e descanso, elas têm optado por locais mais seguros como hotéis. “Principalmente os que seguem os protocolos à risca”, enfatiza, para acrescentar: “inclusive os clientes ligam antes de efetuar a reserva online para tirar dúvidas e saber como está a cidade e como o hotel têm seguido as diretrizes”.

Além disso, como os hóspedes passaram a ficar mais tempo dentro do hotel, a permanência nas áreas de lazer abertas aumentou. “Muitos tem evitado locais cheios e até tem deixado de sair à noite. Com isso passaram a pedir delivery dentro do hotel mesmo, sem contar os clientes que vieram em home office buscando boa internet, ar puro e maior segurança”, destaca Niuara.

Essa mudança de comportamento também foi observada na Rede dos Sonhos. “Os clientes estão mais criteriosos, avaliam mais atentamente o estabelecimento, checam avaliações e, principalmente, a percepção em relação à limpeza também aumentou”, enfatiza Fernandes. “Já seguíamos exigentes protocolos de higiene, mas estamos cada vez mais atentos com check list do que precisa ser feito para as camareiras, com maior rigor e controle”.

Perspectivas

Mas como a hotelaria depende basicamente de três tipos de clientes: lazer, eventos e corporativo é importante relembrar que o cenário na capital paulista e cidades não turísticas é ruim, já que apenas a demanda do turismo de lazer está aquecida.

No entanto, como o volume corporativo de eventos praticamente está inexistente a expectativa para o segundo semestre de 2021 está em alta com a perspectiva de atendimento à demanda reprimida.

Atualmente o turismo nacional está operando com 42% da capacidade mensal, de acordo com dados divulgados pela CNC. São Paulo e Rio de Janeiro, principais focos da Covid-19 no país, concentram mais de 50% do prejuízo.  O resultado decorre na queda de fluxo de passageiros nos principais aeroportos dos dois estados.

Somente no final do ano de 2020 os aeroportos de Congonhas (SP) e Galeão (RJ) registraram queda de 56% e 59% respectivamente no fluxo de aeronaves. “Como o turismo internacional fica prejudicado justamente por conta das restrições de transporte aéreo de passageiros, a expectativa é de que o turismo interno ganhe ainda mais força ao longo de 2021”, diz o diretor da Rede dos Sonhos.

Segundo Fernandes já houve registro de aumento de 15% no volume de hóspedes no pós-retomada das atividades nas unidades da rede. “Apesar de ainda termos uma interrogação em relação ao que vai acontecer, há uma demanda reprimida muito grande. Então, assim que a pandemia for debelada teremos uma movimentação muito acima do normal”, aponta.

O hoteleiro lembra que a demanda por estabelecimentos de lazer – diferente de outros segmentos como negócios, por exemplo – se manterão em alta puxada pela maior procura por parte dos hóspedes. “Já os hotéis de negócios e localizados em regiões não turísticas precisarão se reinventar e buscar alternativas para estimular a demanda”.

Para Niuara assim como Fernandes, a lição de casa inclui seguir rigorosamente os protocolos de higiene, mostrando aos clientes a importância de se hospedar em estabelecimentos que se preocupam com a saúde.

Fonte: ABRALIMP.

Foto/Divulgação: ABRALIMP.