Evolução da limpeza: Quem é o principal personagem da higienização?
Nesta série especial de reportagens, vamos trazer para o holofote o principal elemento da cadeia da Limpeza Profissional: o trabalhador
Existe um protagonista no segmento de Limpeza Profissional. O elo fundamental do setor, aquele que representa a interface diária com o ambiente e a higiene.
Trata-se do agente de limpeza, que todos os dias sai de casa para garantir a saúde e o asseio nos mais diversos ambientes públicos e privados. Um trabalhador sem o qual a sociedade não funciona, não vive, mas que curiosamente nem sempre é adequadamente visto ou valorizado.
Do gari ao Agente de Limpeza
De acordo com dados do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) do Ministério do Trabalho, no primeiro semestre de 2018, eles eram mais de 1,5 milhões em todo o país. Mas essa história começa muito antes; cerca de 150 anos atrás.
A relação da Limpeza Profissional com o Brasil começou oficialmente em 1876, quando o governo Imperial assinou com o francês Pierre Alexis Gary para que ele administrasse a limpeza da cidade do Rio de Janeiro. Com isso, o batalhão de trabalhadores contratados para o serviço passou a ser conhecido como “a turma do Gary”, de onde vem o termo gari, usado nas cidades até hoje.
A nomenclatura, aliás, evoluiu juntamente com a profissão. Quem ainda usa o termo “faxineiro”, por exemplo, está décadas atrasado. Este foi o primeiro termo registrado quando a profissão passou a ser reconhecida pela Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), do Ministério do Trabalho. A CBO é o documento que nomeia, codifica e descreve as características das ocupações do mercado de trabalho nacional. Desde sua primeira edição, em 1982, ela vem se modernizando e acompanhando as mudanças culturais, sociais e econômicas do Brasil. Por isso, o termo faxineiro (título 5143-20), já admite hoje em dia sinônimos mais modernos como Auxiliar de Limpeza.
O mercado, no entanto, adota palavras ainda mais vinculadas à valorização deste profissional, como destaca o Gerente de RH de uma prestadora de serviços, Fernando Battestin. “Usamos muito o termo Agente de Asseio e Conservação, mais evoluído, e quando temos algum cliente que ainda trata com a nomenclatura antiga, o orientamos a trocar de visão. Isto fica claro, por exemplo, quando falamos do mundo hospitalar. O profissional dessa função tem como missão ajudar a melhorar a vida do paciente e atuar sobre o controle de infecções, sendo evidente sua importância. Internamente, temos também treinamentos comportamentais sobre o assunto, trabalhando o conceito de autoestima com nosso público, para que se valorizem também”.
Segundo o Deputado Federal Laércio Oliveira (SDD-SE), principal defensor do setor de Serviços no Congresso, o uso de uma nomenclatura errônea ou pejorativa, como “tia da limpeza”, além de desvalorizar o trabalhador, pode desqualificar o próprio segmento. “A não definição clara de uma profissão prejudica em todos os sentidos: o empregador, pela não clareza do tipo de prestação de serviços, e o trabalhador, que não fica devidamente enquadrado no mercado de trabalho, o que dificulta o seu crescimento curricular por falta de treinamento específico”.
Não apenas a classificação na CBO, mas o enquadramento dos serviços de limpeza na Nomenclatura Brasileira de Serviços Intangíveis (NBS) e outras operações é de extrema relevância, uma vez que congregam informações econômicas atualizadas sobre o setor terciário, a fim de orientar as políticas públicas e os investimentos privados, fundamentais para o reconhecimento e valorização do setor, para que a profissão de Limpeza deixe de ser algo “invisível”.
Roupa é identidade
Esta suposta invisibilidade, aliás, está longe de ser mera percepção e já foi alvo de estudo de caso. Utilizando como base a dissertação de mestrado do psicólogo social Fernando Braga da Costa, foi constatada uma realidade cruel, mas infelizmente presente em diversas empresas, órgãos públicos e centros urbanos.
Costa, que resolveu fazer uma experiência e acompanhar a rotina dos garis da Universidade de São Paulo (USP), relatou que ao vestir o uniforme da limpeza, não conseguiu ser reconhecido por seus professores ou amigos. E não foi por ter sido rejeitado; ele simplesmente “não era visto”, como se não estivesse ali.
O experimento, realizado no início dos anos 2000, abriu os olhos do segmento para esta realidade e possibilitou o início de um movimento de valorização dos profissionais da Limpeza, que vem evoluindo em diversas frentes com o passar do tempo. Uma delas é a dos uniformes.
Sabe-se que a aparência é algo relacionado à visão que se tem de si mesmo, e à visão que acreditamos que outros têm de nós. Uma pesquisa realizada pela escola Kellogg de Administração da Universidade Northwestern (EUA) mostrou como um uniforme pode afetar – para o bem ou o mal – o desempenho de um trabalhador. É o fenômeno chamado enclothed cognition (cognição indumentária, em tradução livre): os efeitos da roupa sobre os processos cognitivos e o comportamento.
Em um dos experimentos, era pedido que os participantes vestissem um jaleco branco e realizassem testes de aptidão. Aqueles que acreditaram que vestiam o jaleco de um médico tiveram sua habilidade de atenção drasticamente aumentada. Já os que usaram o mesmo jaleco, acreditando pertencer a um pintor, não mostraram o mesmo desempenho.
Isto ocorre porque, segundo a pesquisa, com uma determinada roupa, alteramos nossa personalidade e disposição para mostrar mais do que acreditamos ser, o que melhora nosso desempenho. E se a roupa cria identidade e reforça o orgulho do ofício, nada mais notável que o próprio mercado investir neste círculo virtuoso do profissionalismo.
Antigamente, os uniformes da Limpeza eram desenvolvidos em razão da durabilidade, sem preocupação com conforto ou estética. Mas a tecnologia, aliada ao desenvolvimento de peças adaptadas à rotina do profissional, trouxe incrementos qualitativos ao vestuário do profissional de limpeza.
“Antes usávamos tecidos em brim, que eram pesados, sem caimento”, explica o Diretor Comercial de uma fabricante de uniformes, Danilo Volante. “Com o passar dos anos, o mercado foi optando por tecidos mais leves. Hoje, as empresas buscam, sim, o conforto para seus funcionários e isso acaba resultando também em desempenho. Afinal, o uniforme impacta 100% a autoestima, seja qual for a profissão, em especial do profissional de Limpeza, que certamente quer estar bem apresentado.”
Daniel Braga, Consultor de Qualidade e Relacionamentos de uma franqueadora de serviços de limpeza comercial, corrobora com a opinião. “O impacto positivo é evidente na autoestima do colaborador. É muito comum, na entrega de novos uniformes, encontrarmos fotos nas redes sociais de colaboradores orgulhosos com as novas peças. Com a evolução dos tecidos aliada ao cuidado estético, o profissional passou a se sentir melhor e ganhar visibilidade no local de trabalho. A característica que não pode ser negligenciada em hipótese alguma é a segurança de quem veste. Mas é preciso que todas as empresas reconheçam a importância de investir em um uniforme adequado aos seus colaboradores”.
Valorização para criar protagonistas
Mostrar atenção ao trabalhador da limpeza, estimular o cuidado consigo, treinar pessoas para que se sintam mais seguras de sua presença, produzir reconhecimento profissional e minimizar a invisibilidade. Tudo isso é possível quando o mercado decide investir em formação.
No Brasil, há diversas entidades de classe ligadas à Limpeza Profissional que fomentam a educação e o conhecimento, como é o caso da própria UniAbralimp e outras importantes iniciativas de associações e sindicatos. Em Curitiba, um trabalho pioneiro vem se desenhando pelas mãos da Facop (Fundação de Asseio e Conservação do Estado do Paraná).
“A origem da Facop é a valorização do profissional por meio da capacitação profissional”, aponta a superintendente Executiva, Cássia Almeida. “A valorização se dá pelo tratamento e pelo reconhecimento que é dado a este profissional, motivo pelo qual nossa metodologia de ensino é voltada a contribuir para o seu protagonismo”.
A essência do trabalho educacional está em servir de instrumento fortalecedor do profissional de Limpeza, uma vez que ele representa não só a si, mas a empresa que o contrata, o cliente e o setor com suas atitudes. “Para preparar este profissional para ser protagonista, o enxergamos com este olhar: qualificação profissional técnica combinada à postura, ao autocuidado e aos relacionamentos resultando no fazer correto. Acreditamos na educação para todos. E o resultado desta qualificação tem impacto simultaneamente social e comercial”, diz Cássia.
Com conhecimento, o profissional da Limpeza evolui na carreira. Assim foi a trajetória de Marcos José Ribeiro, supervisor de Operações em uma limpadora de Minas Gerais, que está há 19 anos no setor. “Iniciei na limpeza como Auxiliar de Serviços Gerais, quando se abriu uma oportunidade na equipe móvel da empresa. Com ela, comecei a participar de trabalhos mais qualificados, como tratamento de pisos, limpeza de restauração e outros, onde a exigência se tornava mais profunda. Passei, então, a me disponibilizar para o aprendizado”, conta. Em três anos, Marcos chegou a Líder da equipe móvel. Com uma experiência mais apurada e aberto ao conhecimento, foi promovido a Encarregado e, há nove anos, é Supervisor de Operações.
“Além do contexto de asseio, limpeza significa educação”, diz Marcos. “Este é um mercado evolutivo, porém, sofre muito com a falta de valorização por determinados segmentos da economia. Para uma classe de trabalhadores que acorda cedo para deixar o ambiente organizado, no meu modo de ver, ainda é uma profissão pouco valorizada”.
Você conhece a dona Suzete?
Pense rápido: você sabe o nome de todos os profissionais de limpeza de seu escritório? De seu condomínio? Você poderia responder que é difícil guardar tantos nomes com a quantidade de interação a que estamos expostos diariamente (professores que o digam). Mas a verdade é que o nome é a primeira forma de humanização.
Por isso, nesta reportagem iremos apresentar a você, leitor, a Auxiliar de Limpeza Suzete Vieira da Silva. Com mais de 60 anos de vida, vinte deles dedicados a tornar ambientes mais saudáveis e limpos, Suzete começou na profissão quando tudo era manual, sem equipamentos tecnológicos ou opções de produtos que facilitassem a limpeza. Como muitos de seus colegas, Suzete vive o dia-a-dia da profissão com todas as suas dificuldades e benesses.
“Ser Auxiliar de Limpeza é ter um trabalho digno como qualquer outra função, como médico, bombeiro, professor, advogado. Gosto do que faço, e tenho certeza que é um trabalho importante. Infelizmente, algumas pessoas não veem a mesma importância que vejo em minha função”.
Suzete também se posiciona claramente quando o assunto é a nomenclatura da limpeza. “O termo ‘faxineiro’ ou ‘tia da limpeza’ não passa a mesma credibilidade que Auxiliar de Limpeza. Recebemos treinamentos, aprimoramos diariamente nossas técnicas para executar uma limpeza profissional. Somos profissionais da área e devemos ser tratados como tal. Precisamos de reconhecimento, respeito mútuo e que a sociedade nos valorize. Quando não há limpeza, todos percebem e se incomodam. Mas quando está limpo, infelizmente não é reconhecido”.
Para prestar homenagem a pessoas como Suzete e todos que fazem parte de sua categoria, em 2011, o Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Prestação de Serviços de Asseio, Conservação e Limpeza Urbana de São Paulo (Siemaco-SP) inaugurou na praça Marechal Deodoro, na região central da cidade, quatro estátuas em tamanho natural que reproduzem profissões ligadas ao setor: Gari, Copeira, Jardineiro e Auxiliar de Limpeza.
“O Monumento ao Trabalhador foi uma forma de mostrar a todos o valor e a importância da nossa categoria na prestação de serviços na maior cidade da América Latina, além de demonstrar a estes cidadãos o respeito e a admiração do sindicato”, exalta o presidente Moacyr Pereira.
Ampliar horizontes, despertar consciência e promover o desenvolvimento humano são bens irreversíveis. Como reforça o Deputado Federal Laércio Oliveira (SDD-SE), o segmento de limpeza é de suma importância para qualquer sociedade. “Tanto que, em países desenvolvidos como o Japão, o trabalhador é reconhecido como um profissional que preserva a saúde. O problema, no Brasil, é que o profissional de atividades que não exigem alta escolaridade culturalmente é discriminado. Para mudar esta leitura, o setor também precisa investir e acreditar nisso. Afinal, limpeza é sinônimo de saúde”.
Participaram desta reportagem: Conserbrás, Facop, Jani-King do Brasil, Maxi Service, Sette Uniformes, Siemaco-SP, Verzani & Sandrini.
Fonte: ABRALIMP
Fotos: Maxi Service, Conserbrás e Douglas Nascimento por saopauloantiga.com.br.