Covid-19: Empresas ligam o alerta para questões legais
Agravamento da pandemia traz à tona dúvidas sobre questões trabalhistas
Não é só a saúde das pessoas que está sendo afetada pela covid-19. A pandemia está deixando atônitas empresas de todos os portes e nichos de atuação pelo mundo afora. O temor é que o estrago causado pelo vírus veja maior na esfera econômica, trazendo recessão e crise.
O que fazer então, diante de um cenário caótico, sem precedentes – alguns especialistas indicam que o desastre pode ser maior que aquele causado em 1929 com a quebra da bolsa de Nova York – para se manter ativo e não adoecer economicamente também?
Em 01 de abril/2020 o Ministério da Economia anunciou duas importantes mudanças para as empresas: a suspensão no pagamento de parte dos tributos federais e a possibilidade de redução da jornada e salário de trabalhadores.
Durante coletiva de imprensa os integrantes da pasta anunciaram ainda a ampliação do prazo para declaração do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF). As medidas já eram esperadas e, segundo o secretário da Receita Federal, José Barroso Tostes Neto a medida deve injetar mais de R$ 80 bilhões no caixa das empresas.
Já Bruno Bianco, secretário especial da previdência e trabalho do Ministério da Economia afirmou que isso evitará que 12 milhões de pessoas fiquem desempregadas. Mas para terem efeito as mudanças feitas por intermédio da Medida Provisória precisam, primeiro, ser publicadas.
Questões trabalhistas X Medida Provisória
Um dos temas mais comentados desde o início oficial da quarentena em boa parte dos estados brasileiros são as questões trabalhistas advindas com o isolamento: fornecimento de álcool em gel e máscaras; alteração da jornada de trabalho; e se algum colaborador apresentar sintomas da doença, o que fazer?
São inúmeras interrogações. A jurisprudência também acompanha com atenção, já que a recomendação das autoridades é dispensar funcionários doentes, flexibilizar horários de trabalho e incluir diversas setores no chamado trabalho remoto (home office).
Mas as mudanças anunciadas também permitirão a redução da jornada de trabalho em três faixas: 25%, 50% e 70%. Dessa forma, o governo complementará o valor com a mesma proporção do seguro desemprego a que o trabalhador teria direito. Mesmo quem não tem direito ao seguro desemprego poderá receber o benefício.
Os acordos para redução da jornada poderão ser individuais ou coletivos, a depender da faixa salarial do empregado. Em relação à redução de jornada de trabalho, caso a empresa opte em reduzir a jornada e o salário em 25%, será possível fazer acordo individual diretamente todos os trabalhadores.
No entanto, se a empresa optar pela redução de 50% ou 70% os acordos só serão individuais com empregados que recebem até três salários mínimos (R$ 3.135) ou mais de dois tetos do Regime Geral de Previdência Social (R$12.202,12).
Além disso, o governo também anunciou que permitirá a suspensão do contrato de trabalho. Para empresas com faturamento anual de até R$ 4,8 milhões, a suspensão poderá ocorrer para todos os funcionários da empresa. Em contrapartida, o governo arcará com 100% do seguro desemprego de quem tiver o contrato suspenso.
Para empresas que faturem acima de R$ 4,8 milhões, as companhias terão de arcar com 30% do salário do empregado, enquanto o governo arcará com 70% do seguro desemprego. Os acordos também poderão ser individuais ou coletivos, a depender da faixa salarial.
Segundo o ministério, a medida pode custar até R$ 51 bilhões aos cofres públicos. Diferente do que acontece em outros países o Brasil não dispõe de legislação específica para situações de crise. Assim sendo, deve haver bom senso e a flexibilização tanto dos direitos quanto das obrigações.
Para facilitar, a revista Higiplus listou outros pontos sensíveis das questões trabalhistas para as empresas. Confira:
1- A empresa é obrigada a fornecer a álcool em gel e máscaras para seus colaboradores?
Existe a recomendação dos órgãos governamentais, da OMS (Organização Mundial de Saúde) e também do Ministério da Saúde quanto às medidas preventivas para impedir o contágio e a propagação do coronavírus. Desta forma o empregador deve manter um ambiente de trabalho seguro e saudável para o empregado, disponibilizando meios para a correta lavagem e higienização das mãos: água, sabão e fornecer álcool gel 70%.
2- Como devo proceder caso o colaborador apresente algum sintoma?
A orientação do Ministério da Saúde é que qualquer pessoa que apresente os sintomas não deve trabalhar, permanecendo em casa e afastada do contato com clientes e demais funcionários. Preventiva, a medida visa a disseminação do coronavírus no ambiente de trabalho. Somente em casos no qual o colaborador apresente sintomas mais evidentes como febre alta e tosse é que se aconselha a realização de testes.
3- Qual o procedimento nos casos de atestado médico?
Os atestados médicos devem observar a legislação vigente, sendo que qualquer afastamento acima de 15 dias, mediante apresentação do documento, deve ser encaminhado ao INSS.
4- Caso um colaborador teste positivo para o coronavírus como a empresa deve proceder?
A recomendação é seguir os planos de contingência indicados pelas autoridades em casos de epidemia, tais como: permitir a ausência no trabalho; organizar o processo de trabalho para aumentar a distância entre as pessoas e reduzir a força de trabalho necessária; permitir a realização de trabalhos a distância. É importante salientar que todas as medidas recomendadas pelas autoridades locais devem ser tomadas a fim de resguardar os grupos vulneráveis e evitar a transmissão comunitária do vírus.
5- A empresa pode antecipar as férias devido ao coronavírus?
Sim, desde que haja comum acordo e o colaborador concordo. Diante da pandemia a licença remunerada ou férias coletivas podem ser uma alternativa para atender à necessidade de manutenção da cadeia produtiva das empresas. Além disso, a antecipação das férias deve seguir as normas editadas na MP 927/20, sendo que a comunicação pode ser feita com até 02 dias de antecedência. Nesta modalidade o empregador arca com os valores antecipadamente.
6- Como proceder nos casos de faltas justificadas ao trabalho durante o período da pandemia?
As faltas justificadas ao trabalho estão previstas no Art. 473 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) – Decreto Lei 5452/43. No caso da pandemia, algumas considerações são importantes.
A lei nº 13.979 de 06 de fevereiro de 2020, regulamentada pela Portaria 356, de 11/02/2020 dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do coronavírus trouxe algumas definições:
Art. 3º Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus poderão ser adotadas, entre outras, as seguintes medidas:
I – isolamento;
II – quarentena;
§ 3º Será considerado falta justificada ao serviço público ou à atividade laboral privada o período de ausência decorrente das medidas previstas neste artigo.
§ 4º As pessoas deverão sujeitar-se ao cumprimento das medidas previstas neste artigo, e o descumprimento delas acarretará responsabilização, nos termos previstos em lei.
Nos dois casos (isolamento e quarentena) a falta é justificada, ou seja, interrupção do contrato de trabalho. Na interrupção do contrato a remuneração permanece sob encargo do empregador (ressalvada licença pelo INSS), bem como a contagem de tempo de serviço.
O isolamento se aplica ao empregado já contaminado, por 15 dias, prorrogável por mais 15. Nesses casos a interpretação é de pagamento dos primeiros 15 dias pelo empregador e, se prorrogado, a partir daí pago pelo INSS.
Já na situação de quarentena, onde corre-se o risco do colaborador estar contaminado, deverá ser isolado por até 40 dias. Neste caso o empregador terá que arcar com todo o afastamento.
Outras medidas podem ser tomadas por negociação coletiva, como férias coletivas, compensação do período, redução da remuneração proporcional a redução de jornada, até mesmo a suspensão temporária dos contratos de trabalho para manter os postos de trabalho e evitar demissões.
7- Como proceder no caso de ausência não justificada ao trabalho?
Não se enquadrando nos casos justificados de quarentena e afastamento de infectados, o funcionário que faltar ao trabalho sem a devida justificativa formal terá desconto dos dias de falta no salário, perda do repouso semanal remunerado e desconto nas próximas férias.
O artigo 130 da CLT determina que até cinco faltas o empregado perderá apenas o repouso semanal remunerado. Entre 6 e 14 faltas terá 24 dias de férias, reduzindo ainda mais as férias à medida que aumentam as faltas.
As faltas sem justificativa somente serão reconhecidas como abandono de emprego se perdurarem durante 30 dias consecutivos, podendo ensejar uma dispensa por justa causa.
8- Quais são as orientações para a prática de “home office”?
A reforma trabalhista (lei 13.467/17) trouxe como inovação a previsão do regime de “teletrabalho” no artigo 75-A e seguintes da CLT. Até então não previsto em nossa legislação, o teletrabalho segundo a OIT – Organização Internacional do Trabalho – representa “a forma de trabalho realizada em lugar distante do escritório e/ou centro de produção, que permita a separação física e que implique o uso de uma nova tecnologia facilitadora da comunicação”.
Portanto, o teletrabalho (home office) é a atividade realizada em local distinto do ambiente de trabalho, implicando em utilização de tecnologias facilitadoras da comunicação, que por sua natureza não constituem trabalho externo.
Em condições normais, esse regime necessita de um aditivo contratual por escrito prevendo as despesas que a empresa irá arcar, com um período de transição de 15 dias, desde que haja aceitação do empregado.
Mas face à pandemia as exigências formais podem vir a ser relativizadas, em nome do bem público, sendo os 15 dias de transição e a formalidade contratual dispensados em atendimento ao artigo 8 da CLT, segundo o qual nenhum interesse de classe ou individual irá prevalecer sobre o interesse público.
9- Como fica a concessão de férias no período da pandemia?
As férias individuais (seja a pedido do empregado ou empregador) são uma boa alternativa nesse momento, já que atende a necessidade do empregado, não gera ônus maior a empresa de arcar com esse salário sem a correspondente prestação do trabalho, configurando, inclusive, uma alternativa para minimizar as demissões no período.
No caso de empresas de médio e grande porte, a concessão de férias coletivas é uma boa saída. De acordo com a reforma trabalhista, em condições normais, não necessidade de negociação coletiva. Mas a lei exige a comunicação aos funcionários com 15 dias de antecedência, bem como comunicação ao sindicato e à fiscalização trabalhista.
Porém, com o agravamento da pandemia o prazo também pode ser mitigado, contudo há o risco de o empregado questionar judicialmente no futuro. Contudo, diversas medidas gerais que estão sendo tomadas pelo interesse público para manter os postos de trabalho e evitar o agravamento da crise econômica.
Uma boa saída para que a empresa tenha mais segurança é antecipar férias individuais e coletivas, conforme a MP 927/20.
10- Banco de horas.
Para os casos de saldo de horas em empresas cujo Banco de Horas já está instituído a alternativa é utilizá-lo. Caso não haja regime compensatório instituído, é possível implantado com prazo de 6 meses por exemplo, para atender o período mais crítico da pandemia.
Importante destacar ainda que a empresa poderá colocar o funcionário em regime de Bando de Horas, inclusive, com a antecipação de feriados. Encerrada a pandemia, essas horas poderão ser creditadas a favor da empresa, através da prorrogação da jornada em até 02 horas por dia (sem exceder o limite legal de 10 horas diárias), no prazo de até 18 meses.
11- Como proceder nos casos de dispensa (demissão) de funcionários durante este período?
Em caso de necessidade de dispensa de empregados os contratos de trabalho podem passar por negociação coletiva, (embora a reforma trabalhista não exija, a negociação acaba por se tornar uma proteção aos trabalhadores e até mesmo ao empregador).
Fonte: ABRALIMP com a consultoria jurídica da Dra. Fabiana Morales Negrão, sócia da J. Negrão Advogados e assessora jurídica da ABRALIMP. Especialista em Direito Material, Coletivo, Ambiental e Processual do Trabalho. Analista de riscos processuais, Leader Coach e Mentoring.
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